terça-feira, 31 de março de 2009

Mais

Os Desafios da Música Espírita

O ano era 1944, e a utilização da música já dividia os espíritas. Usá-la ou não usá-la nas reuniões? Na tentativa de desfazer o impasse, entra em cena Leopoldo Machado. O pioneiro das artes e das mocidades espíritas convoca nomes de peso a opinarem sobre o tema. Deolindo Amorim, Carlos Imbassahy, Araripe de Faria, Pena Ribas, além do próprio Leopoldo, contribuem para Um Inquérito Original, publicado no periódico A Vanguarda. Uma lavada de 80% a favor do uso da música. E um marco no avanço da expressão artística mais popular entre os espíritas.

Naquela época, a música espírita não passava de uma variante do hinário católico e evangélico. Basta ouvir os famosos Hino da Alegria Cristã e Hino ao Espiritismo para ter uma idéia. Um referencial estético que ainda influencia a produção musical espírita. “O Espiritismo no Brasil adquiriu uma feição evangélica a partir da segunda gestão de Bezerra de Menezes como presidente da FEB, processo que se consolidou com Chico Xavier e Emmanuel e com o chamado ‘Pacto Áureo’, no final da década de 40. Esta é a linha predominante. Os artistas espíritas bebem nessa fonte”, explicaria Saulo Albach, fundador do Grupo de Estudos Espíritas Livre-Pensar (PR), ao jornal Abertura, em agosto de 2002.

Mas assim como o espiritismo, também a música espírita se pluralizou ao longo do século XX. Hinos e exortações evangélicas ainda existem, são produzidos e apreciados pelos espíritas. Só que agora dividem espaço com a música instrumental e a de feições New Age, que ganharam espaço a partir dos anos 70, e com uma musicalidade mais jovem, que vai do pop ao rock, desenvolvida a partir dos anos 80.

E junto com a diversidade, surgem as divergências. Do publicitário ao criptografado, há todo tipo de referência ao espiritismo nas canções espíritas. E todo tipo de opinião sobre o que deve ter uma música para ser espírita. “As palestras de palestrantes espíritas são para divulgar o espiritismo, assim como as músicas dos cantores espíritas e as peças de teatro dos atores espíritas devem divulgar o espiritismo. Se não for assim não se pode definir como arte espírita”, defende Frans Beno Gadelha, do Grupo Ame (CE).

É uma concepção bastante difundida a de que a Arte só se justifica como Espírita se for “doutrinária”. Se não der margem a nenhuma dúvida sobre a fonte e o conteúdo do que quer transmitir. Por outro lado, há um movimento crescente na direção oposta: quanto mais sutil, mais eficiente a disseminação dos princípios espíritas. “Tenho ouvido muitas músicas em que o autor já não se preocupa mais em escancarar a doutrina nas mensagens, mas que deixa a marca inegável do espiritismo. Quem deve escancarar que é espírita é o autor e não a música”, propõe Maurício Keller, do Grupo Arte Nascente (GO).

Cada um a seu modo, o certo é que todos têm procurado investir na difusão e na qualificação da música espírita. Uma tendência que já rende frutos bastante vistosos. E impensáveis até bem pouco tempo atrás. “Nos últimos dez anos houve certamente grande evolução no panorama da expressão musical dos espíritas. Vimos o surgimento de muitos projetos, formação de novos grupos, registros fonográficos, culminando com o histórico registro audiovisual de um show musical do grupo Arte Nascente, com qualidade impecável”, opina Alexandre Azuma, do Alma Sonora (PR).

E o futuro? Quem já começou a construí-lo prevê grandes vôos para a música espírita. O mercado fonográfico está à disposição. Mas exige, antes de tudo, a superação das próprias barreiras internas. “É preciso ter qualidade igual ou superior ao que já existe no mercado, coesão de todos os espíritas, e não só dos artistas, para que a música seja um veículo tão forte quanto são os livros, organização para dominar a cadeia fonográfica e ousadia para superar todos tabus, paradigmas, rótulos e obstáculos conservadoristas que ainda emperram a expressão artística”, arremata Maurício.

Romário Fernandes

* Texto publicado originalmente em 27 de março de 2009, no Notícias da Abrarte nº 162 Ano 4

sábado, 21 de março de 2009

Novas

A Caminho do Show

O Espírito de Arte terminou agora há pouco o primeiro fim de semana de apresentações preparatórias para o show do dia 26 de julho, no Encontro de Arte do Centro Espírita Irmão Leite. Foi na sede do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará, em Fortaleza, durante o V Seminário Vencendo seus Conflitos, com Frederico Menezes e Liszt Rangel.

Executamos pela primeira vez em público as canções Vontade de Viver e Deixa o Tempo Passar. A primeira, um xote composto por Paula Jucá, com letra de Romário Fernandes e Allan Denizard. A segunda, uma balada, letra e música de Suzidali Holanda.

São duas músicas de trabalho dentro do novo repertório do grupo, que já conta, entre o material pronto, com os clássicos Vôo, numa versão ligeiramente rock, e Hydesville, country cantado em português e inglês.

Foram apresentações simples, apenas com essas quatro canções, que fizemos questão de repetir uma a uma pra ficarem guardadas na cabeça do público. Para o próximo mês, já estão agendados os dias 18 e 19 de abril.

No sábado, o Espírito de Arte encerra o Seminário Espírita do Ave Luz, na Av. A, 220 - Loteamento Nova Fortaleza, Jangurussu. Já no domingo, o grupo participa de mais uma edição do Momento da Arte Juvenil Espírita, o Moarje, no Teatro Marista, à Av. Visconde do Rio Branco s/n, esquina com Clarindo de Queirós, no Centro.

Por ora, deixamos como bônus a letra de uma das novas canções. Esperamos em breve ter um vídeo aprovado por todo o grupo para divulgação. Até lá, eis o que temos a mostrar!

Vontade de Viver

Por que às vezes sinto um frio na espinha
Vem de dentro uma vontade tão danada de viver?

É um desejo de cantar pra todo mundo
Que a vida é muito mais do que nascer, crescer e morrer!

É encarar a dor que vem no dia a dia
Com a certeza de que tudo é aprender

É caminhar sempre pra frente com a alegria
De quem planta agora e sabe que é depois que vai colher

Se planto fé, colho do pé, a fruta doce que alimenta o coração
Se planto amor, eu dou uma flor pro mundo inteiro
Ai que bom é que esse cheiro de perfume e de canção!

quarta-feira, 11 de março de 2009

Mais

A Dança que impulsiona a Alma

Será o corpo que dança e corta os ares, embalado pelo som da música? Ou é o Espírito que pulsa, imprimindo no corpo seu próprio ritmo? Entre os espíritas, a dança ainda é vista com desconfiança. “Resquício da sensualidade animal no homem”, dirão algumas mentalidades mais conservadoras.

Mas o desenvolvimento de grupos e coreografias fundamentados na proposta espírita tem contribuído para reverter esse quadro. “Estamos num movimento ascendente. Do ano 2000 em diante, muitos grupos foram formados”, explica Daniela Soares, coreógrafa e uma das pioneiras da chamada “dança espírita”.

E, afinal, o que marcaria o caráter espírita de uma seqüência ritmada de movimentos? “Difícil definir em palavras o que seria a ‘dança espírita’. Para mim, seria a dança que tem por objetivo primeiro a reforma íntima, a caridade através do auxílio a encarnados e desencarnados pela mensagem de consolo e esperança que veicula, pela troca de energia que estabelece nas apresentações e ensaios. Por fim, aquela que leva a mensagem espírita através da dança”, defende Daniela.

Talvez esteja aí o nó górdio da questão. Para muitos espíritas, espiritismo é sinônimo de racionalidade, discurso e argumentação. Há pouco espaço para o não-verbal, para a expressão do sentimento e das emoções. É o velho temor de obsessões e do “desvio doutrinário”. Medo de que, abrindo espaço para a própria alma, ela acabe manchando a “pureza” da doutrina. Principalmente quando o meio escolhido não permite explicações e esclarecimento conceituais.

Não à toa, a primeira iniciativa conhecida de uma dança inspirada na proposta espírita surgiu do desafio lançado por um educador. Alguém que entende o suficiente da natureza humana para reconhecer os prejuízos da racionalização excessiva no desenvolvimento do Ser. “Dançando, o homem transcende o ser físico, adentrando na harmonia com o ser espiritual que há em si mesmo. A emoção vibra em seu coração e se exterioriza nos movimentos harmônicos do corpo, que representam os movimentos interiores da alma”, analisa Walter Oliveira Alves no livro Educação do Espírito.

O ano era 1995, e o local, Araras, interior de São Paulo. “Um grupo de jovens da mocidade do Instituto de Difusão Espírita se reuniu para criar um trabalho de expressão corporal sobre a Evolução, a convite do Walter. Tínhamos que retratar através da dança a evolução desde os seres unicelulares até o homem espiritualizado. Ninguém nunca tinha feito aulas de dança na vida, apenas eu tinha formação e quis participar com eles”, relembra Daniela.

Foi o mote para o início de uma maratona que envolveu longa pesquisa temática e exaustiva preparação técnica. O resultado do trabalho foi um ballet de 25 minutos , intitulado Evolução. Com o sucesso da iniciativa pioneira, surgiu oficialmente o Grupo Espírita de Dança Evolução, que atua há 13 anos.

E assim como toda grande idéia, essa parece ter se disseminado “pelo ar”. Mesmo sem contato algum com o pessoal de Araras, um grupo de trabalhadores da Fraternidade Espírita Missionários da Luz, em Olinda/PE, resolveu iniciar também um trabalho que envolvesse dança e espiritismo, em 1998. “Coordenamos durante seis anos o Grupo Sáphyra de Dança. Nosso trabalho tinha como foco desenvolver coreografias que pudessem ter sempre uma mensagem, que fossem de alguma forma temáticas”, explica a jornalista Alexandra Torres.

O grupo infelizmente se desfez em 2004, mas legou bons trabalhos para a posteridade: “Despertar falava sobre o despertar da mediunidade numa jovem de 15 anos, Desejo de Uma Cristã mostrava o trabalho de amor e caridade aos menos favorecidos, e Dê uma Chance à Vida era um alerta para o aborto mostrando as conseqüências espirituais da prática e o perdão a quem comete esse tipo de ato”, relembra Alexandra.

Hoje, praticamente todos os grupos estão concentrados no Sudeste, apesar de existirem interessados e iniciativas nascentes no Sul e no Nordeste também. No último fim de semana aconteceu a primeira audição do Grupo Espiral de Luz, na capital cearense, que pretende introduzir a dança espírita no estado. E para o segundo semestre, está programado o Dançando com a Alma - O Trabalho do Coreógrafo no Grupo Espírita, um oficina voltada para a formação de coreógrafos espíritas.

O trabalho se insere na programação da VIII Mostra Espírita de Dança, em Araras/SP, que acontece de 10 a 12 de outubro, e se consolidou como o principal evento nacional da área. Uma iniciativa consistente, que congrega cada vez mais grupos de todo o país, e um dia, quem sabe, será capaz de concretizar os sonhos de quem se dedica de corpo e alma à dança espírita.

Sonho em ver a dança espírita em toda casa espírita, sendo praticada por crianças, por jovens, por adultos e idosos. Porque a arte não tem idade,e todo benefício físico, psíquico e espiritual que ela propicia para a criança e ao jovem, ela também propiciará ao adulto e ao idoso”, profetiza Daniela.

Romário Fernandes

* Texto publicado originalmente em 6 de Março de 2009, no Notícias da Abrarte nº 159 Ano 4

segunda-feira, 2 de março de 2009

Mais

Expoentes da Arte Espírita II

No primeiro texto desta série falamos sobre dois dos maiores expoentes atuais da música espírita: os grupos Alma Sonora, de Curitiba (PR), e Arte Nascente, de Goiânia (GO). Já neste segundo artigo, nossa atenção se volta para as raízes do movimento nacional de Arte Espírita.

Movimento que já deu passos importantes, como a criação da Associação Brasileira de Artistas Espíritas, em 2007, e a realização anual dos Fóruns Nacionais de Arte Espírita, desde 2004. Mas que provavelmente nem teria sido cogitado ainda, não fosse o trabalho de pioneiros como Moacyr Camargo (SP) e Marielza Tiscate (RJ).*

Moacyr é músico profissional desde os anos 70. Compositor de trilhas para peças de teatro e musicais, esse paulista de Dracena se divide hoje entre a produção sonora para rádio e TV e a atividade artística espírita.

Quando não está compondo de forma independente para as grandes emissoras do país, Moacyr forma corais espíritas infantis, prepara shows, faz palestras musicais e representa a Arte Espírita no Brasil e no mundo. "Sempre procuro transmitir esperança, consolo, amor e, evidentemente, muita alegria, pois a arte tem esse poder de levar a alegria indistintamente", sintetiza.

No currículo, ele traz desde canções gravadas pelo saudoso Fofão, como a quase etérea O Pintor, até temas de clipes adotados internacionalmente pelo Unicef, como Crianças das Ruas, ambas do disco infantil Nos Jardins da Terra Azul, lançado em 1994. De 88 a 94, foi diretor do Departamento de Artes da União das Sociedades Espíritas de São Paulo. Atualmente, trabalha de forma independente.

No vídeo abaixo, é possível conferir duma lapada só duas das mais belas canções de Moacyr: O Pintor, na versão original (incomparável!), e Novas Idéias, do último CD, Do Brasil ao Azul. De quebra, você ainda conhece de vista uns oitenta artistas espíritas de todo o país e acompanha alguns dos melhores momentos do 5º Fórum Nacional de Arte Espírita, realizado no ano passado em Vitória (ES)!



Ao mesmo tempo em que Moacyr, já músico, conhecia o espiritismo, a carioca Marielza Tiscate, espírita, começava a tomar gosto pela música na atividades infantis da casa espírita. "Tudo aconteceu muito naturalmente, pois sempre fui ativa no movimento desde cedo. Já cantava na escolinha de evangelização, então a composição e o canto vieram junto com a dinâmica das próprias atividades", relembra.

Marielza graduou-se em História e foi professora de Ensino Fundamental e Médio por muitos anos. Mas pouco a pouco começou a se direcionar profissionalmente para a música. Primeiro com a musicalização infantil, depois com a produção musical e de eventos na área. Finalmente, através da arte-educação e da musicoterapia, ramos em que ela atua até hoje.

Graças a um envolvimento longo e profundo com a Confraternização das Mocidades Espíritas do Rio de Janeiro (Comeerj), suas composições inspiradas ganharam gradualmente o Rio, o Sudeste e o Brasil. Hoje, é uma das cantoras mais conhecidas do movimento espírita brasileira, com canções tocadas e regravadas por todo o país.

Talvez por isso mesmo tenha sido ela a escolhida para compor a música que representaria o Espiritismo durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro, mais conhecida como ECO-92. Naquela ocasião, representantes de 172 países do mundo tiveram a oportunidade de ouvir Olhar o Céu, parceria de Marielza com Guilherme Medina, que você confere no clipe abaixo:



* Boa parte das informações compiladas aqui foi retirada da Revista Cristã de Espiritismo - Especial sobre Música Espírita.