sábado, 23 de fevereiro de 2013

Os Anos são Degraus


Os anos são degraus; a vida a escada.
Longa ou curta, só Deus pode medi-la.
E a Porta, a grande Porta desejada,
só Deus pode fechá-la,
pode abri-la.

São vários os degraus; alguns sombrios,
outros ao sol, na plena luz dos astros,
com asas de anjos, harpas celestiais.
Alguns, quilhas e mastros
nas mãos dos vendavais.

Mas tudo são degraus; tudo é fugir
à humana condição.
Degrau após degrau,
tudo é lenta ascensão.

Senhor, como é possível a descrença,
imaginar, sequer, que ao fim da Estrada,
se encontre, após esta ansiedade imensa,
uma porta fechada

– e nada mais?

(Fernanda de Castro in Asa no Espaço, pp. 73 e 74, Lisboa, 1955)

5 comentários:

Allan Denizard disse...

Linda poesia! Só uma dúvida: fugir à humana condição ou da humana condição? Munda completamente a teologia da coisa essa pequenez.

Espírito de Arte disse...

Não soa como "superar a condição humana"? É o que a "lenta ascensão" do verso seguinte poderia sugerir...

Allan Denizard disse...

É aparentemente tolo essa pergunta, mas é que fugir para a humana condição é poetica e filosoficamente possível. Os filósofos da suspeita nos advertem que todo ideal nos leva a fugir da humanidade e da vida presente o que pode denotar um desprezo a elas. Sempre um do lado de lá que relativiza o lado de cá, um inteligível que menoscaba o sensível. Daí para chegar a ter uma ideologia que sacrifica a humanidade em prol de algo "mais nobre"é um passo. Fugir [dos ideais] à humana condição é como se fosse devolver o nosso olhar para o amor pela humanidade que do nosso lado vive. Fugir [dos ideais, do mundo ideal] à humana condição, em outro termos poéticos, é feito um avatar que sai de seus esplendores e reencarna conosco, por amor à humana condição. Nesse sentido a humana condição não seria desprezível, mas admirável. Em que a humana condição seria admirável mereceria outra poesia.

Unknown disse...

A discussão é infinita, caro Allan. A poesia é realmente inspiradora.
Em tempo, satisfação em reencontrá-lo. Maj Gilberto.

Allan Denizard disse...

Ó, aí, o nosso querido Professor de português entrando na discussão. Aquele que fez com que achássemos a aula menos enfadonha e o teatro um brilho a mais na escola. Valeu, Professor!