Um Manuscrito sobre Espiritualidade?
Nesta sexta, dia 7, a cantora Sandy Leah lança oficialmente seu primeiro CD solo, após o fim da longa parceria com o irmão Júnior Lima. Porém, para os fãs inveterados, há pouca novidade a esperar. É que, ao longo das últimas semanas, o CD Manuscrito foi sendo disponibilizado faixa a faixa para venda e, logo a seguir, para ouvir gratuitamente na Rádio UOL.
E o que se pôde ouvir ao longo das treze faixas do novo álbum? Uma certa guinada em termos de estilo, de sonoridade e, o que mais nos chamou a atenção, de temática. Sabe aquele romantismo juvenil que notabilizou o trabalho da Sandy? Ele ainda aparece, mais maduro, agora que ela cresceu e casou. Só que a paixão divide espaço também com letras que tratam de questões existenciais e... espirituais!
Sim, essa sim nos pareceu a grande novidade do novo trabalho. A idéia de caminhada, de busca, de dar passos perpassa toda a obra, revelando frequentemente uma certeza intuitiva a respeito daquilo que É, que está além da superfície. A exemplo da canção Quem eu sou:
Deixo o sol guiar o meu olhar / E assim eu vou / Procurando nos meus sonhos / Descobrindo quem realmente eu sou / Inventando um caminho / Libertando quem realmente eu sou.
E quando falamos de caminhar com uma "certeza intuitiva", a referência é a algo explicitado com todas letras em músicas como Dedilhada:
E os passos vão / Firmes no caminho / Em direção ao que não foi escrito / Intuição sopra em meu ouvido / Escuto e vou.
Há medo, dor e insegurança, mas nada capaz de se sobrepor ao otimismo de quem enxerga um porto seguro além, como fica claro na letra de Tempo:
E todo o medo, desespero e a alegria / E a tempestade, a falsidade, a calmaria / E os seus espinhos e o frio que eu sinto / Isso vai passar também.
Muitas vezes, as letras jogam com a ambiguidade, com a multiplicidade de sentidos, com referências que tanto poderiam ser à Divindade quanto à pessoa amada. É o que lê tanto em O que faltou ser:
Não me escondo do medo de não me reerguer / Do silêncio de uma vida sem você / De tudo o que faltou ser.
Quanto na que traz o sugestivo título de Perdida e salva:
E apesar de ser tão imenso / Cabe em mim / O mundo que você me deu / Não há sensação melhor não ha / Sinto estar perdida e salva.
Contudo, para além de toda a polissemia, há uma música que nos parece carregada demais de referências à espiritualidade para que a idéia de ser apenas "mais uma de amor" resista a um olhar mais atento. É a música de trabalho, Pés cansados.
Ela traz a idéia da ovelha desgarrada que se depara com as dificuldades de caminhar sem Pastor (Fiz mais do que posso, ví mais do que aguento e a areia nos meus olhos é a mesma que acolheu minhas pegadas); da impossibilidade de uma vida plena sem Deus (Eu lutei contra tudo, eu fugi do que era seguro, descobrí que é possível viver só, mas num mundo sem verdade); e, finalmente, do arrependimento, seguido do retorno à Fonte (Depois de tanto caminhar, depois de quase desistir, os mesmos pés cansados voltam pra você).
Ainda ficou em dúvida?! Pois medite sobre o que acabou de ler e assista a esse belo clipe não-oficial de Pés Cansados:
2 comentários:
A música como arte que é, assim como a poesia, está sujeita a várias interpretações sobretudo daqueles que estudam exaustivamente Literatura. A nova obra da cantora Sandy, diria até a primeira obra já que ela esteve "impedida" de mostrar quem realmente era como cantora e compositora, graças a companhia do irmão durante seus 17 anos de carreira, vem para abrir um leque enorme de síteses musicais graças a utilização de metáforas que tão plausívelmente se apropriou a cantora em suas novas músicas. E, a meu ver, este foi o recurso linguístico que fez você entender o teor espírita contida nas músicas. Confesso que é a mais inusitada síntese que já li sobre. Penso também não ser bem por aí. Não vejo, como analista literário que sou, todo este espiritismo. Há sim, influência do poeta português Fernando Pessoa, Clarice Lispector, estes assumidos publicamente no site oficial da cantora. Mas vejo ainda influências do Augusto dos Anjos por motivos que não são o objetivo aqui proposto. Enfim, não sei os motivos que levou você a publicar tal visão do novo cd, mas, é sabido de todos, a Sandy não tem vínculo algum com o espiritismo, nem religioso e nem pessoal. Talvez, e acredito que seja isso, a introspecção da Clarice Lispector associada ao sentimentalismo romântico amadurecido, este tão bem percebido por você, seja, na realidade, o espiritismo discutido. Agradeço desde já tua atenção e é sempre bem vinda interpretações sobre a música brasileira.
Você só esqueceu de um detalhe: o texto não fala de espiritismo, mas de espiritualidade.
Postar um comentário