quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Idéias

O Espiritismo na Cultura Popular II

Que é essa mulher que aparece sempre nos ambientes de reconciliação entre as pessoas sofridas, pecadoras e Deus?

Tida como mãe da Igreja e divina intercessora, Maria é constantemente abordada na arte nordestina como elemento feminino extremamente acolhedor para os aflitos das histórias.

Em Hoje é dia de Maria, seriado apresentado pela Rede Globo, em sua primeira jornada, Maria (nome comum em nosso interior) não só aparece como a personagem pequenina, que logo é submetida a difícil dor diabólica de crescer, mas também como um ente luminoso e coroado que a estimula a seguir seu caminho de dor. Mas, Maria não é só resignação, senão coragem de carregar um sonho que valeria desafiar constantemente o diabo para sua consecução.

Em outra obra de arte, a peça O Auto da Compadecida, a Mãe Santíssima surge ao final intercedendo a favor dos recém-finados que estavam ali em frente a Jesus-juiz, num discurso de compaixão difícil de não dobrar o coração de qualquer justiça. Um convite à misericórdia.

Numa obra clássica de Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, encontramos mais de dez poemas atribuídos a diferentes Espíritos de poetas mortos em veneração a Maria, mãe de Jesus.

Colocada em questão por muitos críticos, a obra venceu o tempo como aquela que seria uma doce prova da permanência da poesia após a morte, ou o grande pastiche que, apesar de todo escárnio, poderia ter levado Chico a uma cadeira da Academia de Letras.

Os críticos mais espíritas, e menos afeitos a Maria, poderiam contrapor que as poesias receberam um efeito anímico de Chico. Um efeito anímico que tenha preenchido todo o conteúdo do poema? Imaginemos que sim. A possibilidade de lançar essa hipótese aparece no pescoço do médium, com seu indefectível escapulário.

Onde mais? Pelas mãos de outra grande médium brasileira, Ivone do Amaral Pereira, surgem notícias do além de que há Servos de Maria responsáveis pelo resgate das almas suicidas num vale de sombras.

Trouxemos aqui alguns exemplos da grande presença, para não dizer onipresença, dessa entidade no que se costumou chamar de imaginário popular. A literatura espírita vem trazendo uma possibilidade de ver nessa presença mais do que o produto de um imaginário. Não seriam as manifestações artísticas do povo a representação sensível da intuição de uma realidade?

Ah! Nós espíritas só acreditamos naquilo que pode ser exposto de forma racional, porque a vida é feita de letras de filosofia.

Não! A vida não é feita de letras de filosofia. A filosofia é, de fato, um bom instrumento para traduzirmos a vida para a razão. Só que há muito mais vida do que nossa razão abarca. E nosso espírito tem sede desse tudo que falta. Alavancas se desprendem da gente a nos impulsionar mais rápido para essas águas de vida. A arte parece ser uma delas.

Se esse discurso não lhes convence da função da arte como representante da vida, analisaremos em uma próxima postagem o quanto um dogma cientificamente impossível, mas facilmente assimilado pela cultura popular e versado por cordéis, pode ser filosoficamente intrigante e encantadoramente profundo.

Allan Denizard

2 comentários:

Reginauro disse...

Que bela reflaxão meu querido Allan. Uma das mais inteligentes que li nosúltimos tempos em torno da figura de Maria de Nazaré. Sem defesas apaixonadas,mas indagações ponderadas, pautadas num senso crítico próprio de uma verdadeiro discipulo de Kardec. Acho que ele escreveria algo parecido sobre Maria. Parabéns! Aguardo o próximo.

Anônimo disse...

Parabéns pelo belo texto! Acho que valeria também uma menção à obra espírita "Maria de Nazaré", do Espírito Miramez, recebida através do médium João Nunes Maia. Obra super polêmica, principalmente porque revela (ou teoriza?) sobre a verdadeira natureza corporal do Cristo, a virgindade de Maria e outras coisas mais. Obra essa considerada espúria por uns e expressão da verdade por outros. No mínimo, é uma obra literária muito interessante e instigante.