Se você é um entre as dezenas de milhões de cidadãos deste mundo que já tiveram o privilégio de acompanhar Lost, a série de TV mais notável produzida em muitos e muitos anos, certamente tem pelo menos uma idéia do que estou falando.
Talvez você tenha abandonado o barco (ou seria a ilha?) pelo meio do caminho quando os Outros entraram de vez na jogada, ou quando a Relatividade do Tempo passou a integrar organicamente o enredo ou ainda quando percebeu que boa parte dos mil mistérios levantados ao longo desses seis anos, definitivamente, não seriam "solucionados" na trama...
Se você se encaixa em alguma das categorias de "desertores" ou se é alguém que nunca se interessou por acompanhar a história do avião que caiu na ilha-das-coisas-estranha, permita-me a franqueza: você não sabe o que está perdendo!!! Não faz idéia da conclusão profundamente inspirada e, em todos os sentidos, transcendental, com que os produtores Damon Lindelof e Carlton Cuse coroaram o enredo mais debatido da década.
Naturalmente, para apreciá-lo em toda a sua magnitude, é preciso, mais que entender, sentir aquilo que realmente fez da trama algo cativante e arrebatador: Lost sempre foi uma história sobre pessoas em busca de algo. Inicialmente de serem resgatadas da ilha deserta onde caíram, depois de sobreviverem em condições precárias enquanto aguardavam resgate, depois de descobrir o que era uma certa "escotilha" hermeticamente fechada no meio da floresta, depois de salvar o mundo ao digitar uma senha num computador dos anos 70, depois de lidar com os outros habitantes da ilha, depois de fazer contato com uma certa fragata, depois de retornar ao ponto de partida...
Em outras palavras, Lost é uma profunda metáfora da condição humana. Afinal de contas, o que dá sentido ao mundo senão a nossa incansável busca por alguma coisa? Desde que chegamos a estas paragens, nosso anseio por viver, conquistar, crescer, ganhar, superar e entender sempre foi o móvel das grandes transformações por que ele passou.
Ao longo da caminhada, a gente criou, inventou, estudou, pesquisou, propôs hipóteses, criou teorias. Não porque essas coisas fossem essenciais por si, mas, antes de tudo, para satisfazer nossa própria necessidade de encontrar sentido para as coisas que nos cercam.
Dessa forma, não foi à toa que os mistérios e a mitologia ganharam corpo na trama de Lost. Eles são elementos sempre presentes na jornada humana. Mas, assim como na vida, no enredo da série eles nunca foram mais do que acessórios para a história que realmente importa: a da nossa busca por realização.
Realização que passa necessariamente por dores, lutas, lágrimas e incompreensão. Mas que, mais cedo ou mais tarde, chega sempre a um fim, no qual poderemos olhar para trás e dizer: "Valeu a pena!", enquanto confraternizamos com as pessoas cujas lutas, derrotas e vitórias se tornaram parte essencial de nossa própria caminhada.
Será aqui ou agora que esse momento virá? Muito provavelmente não. Porque este é apenas o palco dos nossos primeiros dramas, a escola das lições primárias para a Vida Plena a que estamos todos destinados.
Só além das limitações do espaço e do tempo, das restrições do nosso ego, das imposições do nosso apego é que encontraremos esse algo que sempre nos moveu à busca. E então, quando o momento chegar, finalmente será hora... de seguir em frente.
PS: Eu não poderia deixar de reverenciar, nesse "momento derradeiro", o Davi Garcia e a Juliana Ramanzini, editores do blog Dude We Are Lost, pela dedicação, pelo empenho e pela forma tão especial de tratar da série ao longo desses anos. Muito obrigado, pessoal!
Romário Fernandes