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Magia, aventura e fantasia barata? Não. Harry Potter é bem mais do que isso. Por trás do que possa parecer, a série mais badalada dos últimos anos é uma história sobre a morte. Medo, dores, luta e superação da finitude são a linha-mestra do enredo infanto-juvenil que cativa milhares de adultos pelo mundo afora.
Palavras da autora, a inglesa J.K. Rowling: "
É um forte tema central [da série] - lidar com a morte, sim, e encará-la de frente", diria ela em 2000 à
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CBC Newsworld. "Meus livros são, em grande parte, sobre a morte. Eles abrem com a morte dos pais do Harry. Tem a obsessão de Voldemort em conquistar a morte e a busca dele pela imortalidade a qualquer preço (...) Eu entendo por que Voldemort quer conquistar a morte. Todos temos medo dela", complementaria a escritora em 2006, à Revista Tatler.
Mas Rowling talvez nem precisasse ter se explicado. Basta uma leitura atenta à obra para perceber que a magia é apenas o pano de fundo. Que a dificuldade de lidar com a morte é que norteia o desenrolar da história. E que ao longo do caminho, a trama acaba apresentando uma série de indícios curiosos para a construção de uma teoria espiritualista própria do universo Potteriano.
Se a morte está na raiz de tudo, a imortalidade da alma é uma certeza no mundo mágico. "
Para a mente bem-estruturada, a morte nada mais é do que a próxima grande aventura", diria Albus Dumbledore, o maior bruxo dos últimos séculos, ainda no primeiro volume da obra. E as relações entre os que vão e os que ficam não se quebram com a morte. Pelo menos não de forma integral ou necessária.
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Logo no pioneiro
Harry Potter and the Philosopher's Stone, o leitor se depara com fotos animadas, pinturas que falam e fantasmas que transitam livremente pela Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Registros vivos de quem passou, que de alguma forma permanecem entre nós.
As fotos são como animações, semelhantes a alguns porta-retratos mais modernos. As pessoas retratadas se movem, sorriem, acenam, mas não vão além disso. As pinturas são mais complexas. Permitem que o morto, ou pelo menos um reflexo dele, se comunique livremente com os vivos. O retratado tem a liberdade de se locomover entre os quadros que ficam no mesmo edifício em que o seu. E, de quebra, ainda pode passear entre todos o quadros que o retratem, em qualquer parte do mundo. Apesar de ele se restringir, na maior parte dos casos, a reproduzir frases e idéias-chave de quando vivo, é possível ver muitos exemplos de uma ação mais livre e elaborada ao longo da trama.
E, por fim, os fantasmas propriamente ditos. Só em Hogwarts são cerca de 20, "impressões de almas que se foram deixadas sobre a Terra", nos dizeres do professor Severus Snape, no sexto livro,
Harry Potter and the
Half-Blood Prince. Eles se deslocam livremente dentro do castelo, falam, pensam, sentem, aconselham e interagem com os vivos. Mas não representam o destino natural dos mortos: "Só os bruxos", dirá Nearly Headless Nick, um dos fantasmas mais participativos em toda a trama, em
Harry Potter and the Order of the Phoenix. Acrescenta a seguir: "
Bruxos podem deixar um impressão de si mesmos sobre a Terra, para vagar por onde pisaram quando vivos (...) Mas muito poucos bruxos escolhem esse caminho".
Mas por quê? - é a pergunta que Harry, e nós também, deixamos escapar diante da fala do fantasma. Uma interrogação central para a compreensão do espiritualismo potteriano e que vai abrir nosso
próximo artigo sobre A Questão Espiritual em Harry Potter...