Por uma Arte Nascente...
Arte espírita até bem pouco tempo atrás era sinônimo de doutrinação e simploriedade, salvo algumas honrosas exceções. Era um ou outro grupo teatral, um ou outro compositor capazes de produzir uma arte ao mesmo tempo antenada com o mundo de hoje e inspirada numa vivência espírita. Mais raro ainda era encontrar quem se dedicasse à produção de algo arrojado, capaz de entrar no mercado e disputar espaço de igual pra igual com a "arte secular".
O DVD Arte Nascente do GAN (GO), lançado em 2008, trouxe uma reviravolta nesse panorama. Não foi o primeiro trabalho musical espírita lançado em DVD (vide o COMEBH 25 Anos), nem o primeiro a utilizar uma linguagem contemporânea (vide Moacyr Camargo, Flávio Fonseca, Alma Sonora e o próprio GAN). Mas talvez tenha sido pioneiro em reunir as duas características, essenciais para alavancar a Arte Espírita no panorama nacional.
O DVD da Comebh, que ainda não tivemos oportunidade de assistir na íntegra, parece ser uma coletânea do cancioneiro espírita mineiro. As canções são muito bem executadas e arranjadas, sem dúvida. E o resultado é um trabalho de qualidade sonora e visual, a ser apreciado ainda pelos espíritas de todo o mundo. Mas talvez essa seja a grande diferença conceitual em relação ao Arte Nascente: o público-alvo. As músicas do COMEBH 25 Anos a que assistimos dificilmente conquistariam um público não-espírita, por trazerem muito forte a marca do hino religioso. Letras de adoração e louvor, versos com inversões para rimar... Melodias que lembram de pronto o hinário cristão. Um repertório que até poderia ressoar também num público carismático, católico ou evangélico. Mas que tem pouca chance de arrebatar a grande massa de pessoas sem engajamento religioso...
O que o GAN conseguiu fazer foi justamente transpor essa barreira. O repertório, mesmo quando fala de Jesus, passa longe da tradicional pregação religiosa. As letras são jovens, sem floreios e lembram antes de tudo o estilo dos compositores do Pop Rock brasileiro. A exceção, talvez seja o clássico Nova Luz, que não abre mão do sermão evangélico nem da sonoridade de hino. Mas acaba "redimido" pelo arranjo magistral composto e executado pelo maestro Paulo Rowlands com um quarteto de cordas. No geral, o repertório parece até despretensioso, mas traz um conteúdo forte, humano e universal, sem deixar de ser espírita.
A musicalidade envolve. E direciona o público segundo um plano muito bem traçado. O show começa a la anos 70, com Alegre Evolução e aquela galera vestida de Nos Embalos de Sábado à Noite. A seguir Busca mantém o clima disco, que vai se dispersando com a balada de Eu Venci e o rock de Subindo até Você. Aí chega o momento mais intimista, com Sou seu Anjo, Tudo É Amor, Reparação e a apoteose de Nova Luz, que termina soando como alguma peça de Mozart.
Do meio pro fim, o DVD é predominantemente pra cima, com espaço para o rock, o pop e o reggae. Provando, a cada faixa, que é possível sim fazer uma Arte Espírita envolvente, que fale uma linguagem atual e leve o espiritismo sem pregação. Sem dúvida alguma, um salto adiante na consolidação dessa arte ainda nascente que os espíritas estamos aprendendo a fazer!
Romário Fernandes
2 comentários:
Olá, Romário, td bem?
Li o seu post e felicito-os pelo trabalho desse blog, referência importante para os artistas espíritas.
Vejo com alegria a multiplicação da capacidade humana de se superar, criar, fazer diferente, pensar por diversas formas, e é um privilégio conhecer como pensam alguns de nossos pares, para melhorarmos nossa compreensão das coisas, aperfeiçoando nossas convicções pessoais, sempre com algo a construir e entender.
Como participante do DVD da Comebh, achei interessantes os seus comentários, que realmente refletem a realidade, e aí falo ao menos por mim. De fato, trata-se de um trabalho que não tende a alcançar muito público. Pra vc ter uma idéia, nem mil cópias do DVD foram vendidas. Daí se vê que disputar espaço não é mesmo algo que esse trabalho deverá lograr, e nem me parece ter sido esse um objetivo: foi mais o registro de uma confraternização. De minha parte (e, claro, sempre só posso falar por mim), te digo que meu público alvo não é nem espírita e nem tampouco não-espírita: simplesmente não há público-alvo. As músicas refletem momentos íntimos e eu fico até surpreso quando vejo alguns amigos sentirem-se afinizados por elas, reproduzindo-as, pedindo gravações. Acho que é o máximo que esse trabalho vai alcançar em termos de divulgação, e tudo bem com isso, pois não há metas.
Penso que vc tb acerta quando anota a simploriedade das músicas, das rimas, ao menos em relação às minhas composições. É o reflexo inevitável do fato de eu não ser bem um artista. Não vivendo nem de arte e nem para a arte, as limitações ficam evidentes nas composições, e análises mais apuradas não tardam a constatá-las, como vc demonstrou. É por essas e outras que não me vejo em condição de contribuir para alavancar a arte espírita no panorama nacional, e fico até surpreso ao perceber que alguns outros artistas espíritas talvez possuam tal objetivo, quem sabe calcados num compromisso espiritual. Por isso, ideias como a que vc mencionou, de arrebatar a grande massa, não possuem congruência com a proposta desse nosso trabalho simples, e é nessa diversidade de intenções que vemos as melhores possibilidades de crescimento, uns atuando de um modo, outros de outro.
Bom, acho que já comentei demais, e daqui a pouco minhas reflexões motivadas pelo seu post ficam maiores do que ele mesmo, hehehehe... Mas acho importante fazer meu registro sobre essas suas constatações que, como eu disse, parecem-me de correta constatação, no que tange às qualidades – ou até à falta delas – do nosso trabalho. Nem mesmo consigo pensar a arte espírita como um fim, pelo simples fato de que não vejo o Espiritismo como tal. Vejo o espiritismo como um dos possíveis caminhos para Jesus, adaptado à necessidade de determinado grupo de almas. E aquilo que vimos chamando arte espírita a mim se afigura como consequencia natural da necessidade co-criativa daqueles que encontram no Espiritismo o veículo da jornada que conduz à iluminação. Assim, vejo que alguns trabalhos se destacam na missão de cativar e disseminar ensinamentos que auxiliem no crescimento moral e intelectual da criatura humana, modo como vc enquadra o GAN. E apesar das formas mais simples dos demais trabalhos espíritas, não penso que o GAN está sozinho, pois outros trabalhos há desenvolvendo a tarefa de difundir a mensagem espírita em sua essência, que fundamentalmente não passa da mensagem cristã: 14 Bis, Beto Guedes, Lô Borges – só pra me circunscrever a exemplos poucos e mineiros – têm feito com maestria a tarefa de difundir o amor sem o sermão evangélico, o bem sem a fundamentação religiosa, a esperança sem o repasse pela fieira do convencionalismo. Nós outros seguimos alinhados com aqueles que ainda se afinizam com essa cara religiosa, no trabalho musical que fazemos apenas como tarefa.
Como vc mencionou não ter tido oportunidade de ver o DVD da Comebh por inteiro, me prontifico a te oferecer um de presente, caso o empecilho tenha sido o acesso ao DVD original. O DVD até hoje está no prejuízo financeiro, que vem sendo suportado por um amigo, então eu tenho sempre prazer em comprar mais um e presentear alguém que se interesse. É só mandar o seu endereço pro meu e-mail: denisfran@yahoo.com.
Abraços e que os caminhos de vcs na tarefa eleita seja profícuo e repleto de realizações.
Olha, Denis, acho que sua reflexão acabou ficando mesmo maior que o post.. ;) De minha parte, fico muito feliz que você tenha compreendido a abordagem do artigo! Procurei ser o mais claro possível pra que a resenha não soasse como desprezo por um trabalho tão bonito como o DVD da Comebh. Mas a proposta do texto é ser analítico, e não gosto de maquiar minhas idéias e impressões. Acho que ambos os trabalhos têm um papel a exercer. E ficarei muito feliz em assistir na íntegra o trabalho de vocês. Assim, inclusive, poderei fazer uma avaliação mais ampla!
Abraço forte e fica com Deus!
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